A terapia de reposição hormonal (TRH) na menopausa é uma das intervenções mais estudadas e debatidas na medicina atualmente. Tradicionalmente, sua indicação baseia-se em fatores clínicos, ponderando riscos e benefícios. No entanto, a medicina personalizada — impulsionada pela farmacogenética — traz a possibilidade de usar o perfil genético da paciente não apenas para decidir se ela deve ou não iniciar TRH, mas também para ajustar dose, via e formulação.
Nessa edição do Sottonews, nosso diretor médico-científico Dr Francisco Tostes traz as evidências mais atuais sobre o tema, mostrando também como aplicar mais a genética na sua prática clínica com pacientes em reposição hormonal.
Aproveite a leitura!
Testes Genéticos na Menopausa: Personalizando a Reposição Hormonal
A terapia de reposição hormonal (TRH) continua sendo uma das estratégias mais eficazes para o manejo da menopausa. No entanto, nem todas as mulheres respondem da mesma forma. Enquanto algumas apresentam grande melhora com baixas doses, outras não atingem alívio adequado mesmo com ajustes progressivos. Há ainda aquelas que desenvolvem efeitos colaterais significativos, como mastalgia, retenção ou eventos trombóticos.
Essa variabilidade não é fruto do acaso: a genética desempenha um papel central. Polimorfismos em genes relacionados ao metabolismo, detoxificação, transporte e resposta tecidual aos hormônios podem influenciar tanto a eficácia quanto a segurança da TRH. Nesse cenário, os testes genéticos surgem como uma ferramenta poderosa para personalizar a conduta médica.
Vamos entender de uma forma didática e baseada e evidências, a implicação de cada alteração genética na decisão sobre a Terapia de Reposição Hormonal da Menopausa:
Quando a genética contraindica a TRH
Alguns resultados genéticos configuram contraindicação absoluta ao uso de TRH sistêmica. São mutações de alta penetrância em genes relacionados a câncer de mama e ovário, como BRCA1, BRCA2, TP53, PTEN e os genes da síndrome de Lynch (MLH1, MSH2, MSH6, PMS2). Essas mulheres apresentam risco oncológico tão elevado que a exposição hormonal sistêmica pode se tornar perigosa.
Da mesma forma, pacientes com mutação em Fator V Leiden (F5) ou Protrombina (F2) e histórico prévio de tromboembolismo venoso (TEV) devem evitar TRH sistêmica. Nestes casos, o risco de trombose é proibitivo.
Para todos esses casos, no entanto, a reposição tópica (vaginal) de estrogênio mostrou-se segura e pode ser indicada.
Genes que orientam a escolha da via
Nem sempre a genética contraindica a TRH, mas pode mudar a forma de administrar o hormônio, como nos casos a seguir:
- F5 Leiden ou F2 em mulheres sem histórico de TEV, assim como variantes em MTHFR e PAI-1, elevam o risco trombótico principalmente na presença de estrogênios orais. Nesses casos, a via transdérmica ou subcutânea é preferida, já que não aumenta de forma significativa a síntese hepática de fatores de coagulação.
Essa simples mudança de via pode representar a diferença entre segurança e ocorrência de complicações graves.
Genes que modulam a dose
Outros polimorfismos não impedem o uso da TRH, mas influenciam a dose necessária para eficácia ou segurança.
- Metabolizadores rápidos: variantes em CYP1A2, CYP2C9, CYP2C19 e CYP2D6 aceleram o clareamento hormonal, podendo justificar doses um pouco maiores.
- Metabolizadores lentos: mutações em CYP3A4/5 reduzem a depuração, levando a níveis mais altos para a mesma dose. Nesses casos, recomenda-se iniciar com doses menores e preferir a via transdérmica.
- COMT de baixa atividade reduz a degradação de catecolestrogênios, aumentando metabólitos reativos; aqui, doses menores e vigilância oncológica são recomendados.
- Genes de conjugação como NAT2, SULT1A1 e UGT1A1 também podem acelerar ou reduzir a eliminação, impactando a biodisponibilidade hormonal.
Genes que influenciam a resposta clínica
Nem todas as variações genéticas estão ligadas ao metabolismo. Algumas modificam a sensibilidade dos tecidos ao hormônio.
- ESR1 e ESR2 (receptores de estrogênio): variantes de maior sensibilidade podem explicar uma resposta clínica robusta mesmo em doses baixas. Já variantes de menor afinidade justificam falhas terapêuticas, exigindo ajuste de dose.
- PGR: variantes no receptor de progesterona influenciam a resposta a diferentes progestagênios, podendo orientar a escolha do fármaco ideal.
- SHBG: variantes que reduzem a globulina transportadora aumentam a fração livre de hormônio, elevando o risco de colaterais com implantes subcutâneos.
Polimorfismos isolados x risco poligênico
Um dado importante: raramente um polimorfismo isolado muda a conduta. O impacto clínico real aparece quando variantes se combinam.
Por exemplo, uma paciente com CYP1B1 desfavorável, COMT de baixa atividade e GSTM1 nulo terá maior risco de formação de metabólitos carcinogênicos do estrogênio. Do mesmo modo, combinações de metabolizadores rápidos em diferentes genes podem levar a falhas terapêuticas.
Esse raciocínio introduz o conceito de score de risco poligênico (sigla em inglês, PGS) também na TRH — uma forma de quantificar risco e personalizar tratamento de maneira mais sofisticada.
Na tabela abaixo, é possível visualizar o impacto de cada uma dessas alterações na decisão sobre a terapia de reposição hormonal.
Categoria | Gene(s) | Função | Polimorfismos / Mutações | Impacto na TRH |
Metabolismo hepático | CYP1A2, CYP2C9, CYP2C19, CYP2D6 | Metabolizam estradiol, testosterona e gestrinona | Variantes rápidas → maior clareamento; Variantes lentas → acúmulo | Rápidos → podem precisar de doses maiores; Lentos → iniciar com doses menores |
Metabolismo hepático | CYP3A4/5 | Principal via hepática de estradiol/testosterona | Metabolizadores lentos → ↑ biodisponibilidade; rápidos → subdose | Lentos → preferir via transdérmica; Rápidos → ajustar dose |
Metabolismo extra-hepático | COMT | Degrada catecolestrogênios | Baixa atividade → acúmulo de metabólitos reativos | Usar doses menores; considerar antioxidantes; evitar via oral em altas doses |
Metabolismo extra-hepático | NAT2, SULT1A1, UGT1A1 | Conjugação/sulfatação de estrógenos | Atividade alta → eliminação acelerada; baixa → acúmulo | Altos → podem precisar de doses maiores; Baixos → ajuste para baixo |
Detoxificação / estresse oxidativo | GSTM1, GSTT1, MnSOD | Neutralizam metabólitos reativos | Variantes nulas ou lentas → ↓ defesa antioxidante | Maior risco oncológico se combinados com COMT lenta ou CYP1B1 ativo → preferir dose baixa e via transdérmica |
Proteínas carreadoras | SHBG | Transporta estradiol/testosterona | Polimorfismos que reduzem SHBG → mais hormônio livre | ↑ risco de colaterais em implantes/subcutâneos → ajustar dose |
Conversão hormonal | SRD5A2 | Converte testosterona em DHT | Variantes de maior atividade → ↑ conversão em DHT | ↑ risco de efeitos androgênicos → ajustar dose de testosterona |
Conversão hormonal | AKR1C3 | Conversão de estrona em estradiol e androstenediona em testosterona | Maior atividade → ↑ produção local | Justifica redução de dose, sobretudo em subcutâneo |
Conversão hormonal | HSD17B1, HSD17B2 | Modulam equilíbrio estrona ↔ estradiol e testosterona ↔ DHT | Variantes alteram equilíbrio entre formas ativas/inativas | Influenciam eficácia clínica; titulação individualizada |
Receptores hormonais | ESR1, ESR2 | Receptores de estrogênio | Variantes de maior ou menor sensibilidade | Sensíveis → responder bem a doses baixas; Menor afinidade → podem demandar doses maiores |
Receptores hormonais | PGR | Receptor de progesterona | Variantes influenciam resposta clínica e tolerância | Orienta escolha de progestagênio e dose |
Genes de trombofilia | F5 (Leiden), F2 (Protrombina), MTHFR, PAI-1 | Regulam coagulação e fibrinólise | F5/F2 ↑ risco trombótico; MTHFR ↑ risco se homocisteína alta; PAI-1 4G/4G ↓ fibrinólise | Evitar via oral; preferir transdérmica/subcutânea; em TEV prévio → contraindicar |
Genes de alto risco oncológico | BRCA1, BRCA2, TP53, PTEN, STK11, MLH1, MSH2, MSH6, PMS2, PALB2, CHEK2, RAD51C/D, BRIP1, etc. | Supressores tumorais/reparadores de DNA | Variantes patogênicas ↑ risco mama/ovário | Contraindicação absoluta da TRH sistêmica; considerar apenas via local/transdérmica em situações específicas, com vigilância intensiva |
Como aplicar na prática clínica
Na rotina médica, os testes genéticos podem ser úteis em três situações principais:
- Segurança: descartar contra-indicações absolutas (câncer hereditário, trombofilias graves).
- Personalização da via: priorizar transdérmica ou subcutânea em casos de risco trombótico ou metabolismo hepático desfavorável.
- Ajuste de dose: usar doses menores em metabolizadores lentos e doses maiores em metabolizadores rápidos, sempre monitorando clínica e exames laboratoriais.
Além disso, a análise de genes de receptores (ESR1/ESR2, PGR) ajuda a explicar respostas divergentes, ajudando a identificae as pacientes “não respondedoras” e ajustar o seu tratamento.
Conclusão
A incorporação de testes genéticos à avaliação de candidatas à TRH inaugura uma nova fase na prática médica: da reposição padronizada para a reposição personalizada.
- Genes de alto risco podem contraindicar o tratamento.
- Genes de metabolismo e detoxificação modulam a dose e a via.
- Genes de receptores e carreadoras explicam a resposta clínica individual.
- Perfis poligênicos aumentam a relevância, permitindo estratificação mais precisa.
Mais do que selecionar pacientes, a genética possibilita ajustar a TRH ao DNA de cada mulher, tornando o tratamento mais seguro, eficaz e ético.

Artigo escrito pelo Diretor Científico da SottoPelle Brasil, Dr. Francisco Tostes.