A relação entre terapia hormonal (TH) e demência tem sido amplamente investigada ao longo dos anos, levantando questionamentos e novas hipóteses a cada estudo publicado. Estudos iniciais sugeriram que a reposição de estrogênio poderia reduzir ou retardar o risco de Doença de Alzheimer (DA), especialmente se iniciada precocemente. No entanto, o cenário mudou à medida que novos dados emergiram, tornando o tema mais complexo e multifacetado.
O Conceito de Janela Limitada de Tempo
Pesquisas como o Estudo de Cache County indicaram que o uso de TH por pelo menos 10 anos estava associado a um risco reduzido de DA. Essa descoberta deu origem ao conceito de “janela limitada de tempo”, que sugere que o início precoce da terapia pode ser benéfico.
Por outro lado, o sub-estudo Women’s Health Initiative Memory Study (WHIMS), realizado em 2003, apresentou resultados contrários. Em uma amostra de mais de 4.000 mulheres com idade ≥ 65 anos, foi identificado um risco aumentado de demência em usuárias de TH em comparação ao placebo.
Fatores de Idade e Duração do Uso
Uma análise detalhada do WHIMS revelou que muitas participantes já estavam bem além da menopausa ao iniciarem o tratamento. Isso levantou a hipótese de que a TH administrada na transição menopausal poderia apresentar um risco menor ou até mesmo efeitos protetores.
Estudos mais recentes mostraram resultados conflitantes:
- A terapia com estrogênio isolado não aumentou o risco de demência.
- A combinação de estrogênio e progestina foi associada a um pequeno aumento no risco.
- O uso exclusivo de estradiol vaginal não influenciou o risco de DA.
Um estudo retrospectivo finlandês reforçou a complexidade, demonstrando que a via de administração (oral ou transdérmica) e a combinação hormonal podem desempenhar papéis distintos no risco de demência.
Diretrizes Atuais para Terapia Hormonal
De acordo com o posicionamento da Menopause Society (2022), a TH deve ser individualizada, considerando dose, formulação, via de administração e duração do tratamento. As diretrizes recomendam:
- Iniciar a TH preferencialmente antes dos 60 anos ou dentro de 10 anos do início da menopausa.
- Avaliar a relação risco-benefício em mulheres ≥ 60 anos devido ao aumento de riscos absolutos, como doenças cardiovasculares e demência.
Terapia Hormonal de Curta Duração e Início Precoce
Um estudo com mais de 60.000 mulheres indicou que o risco de demência aumentava com a duração do uso de TH. Mulheres que usaram a terapia por 12 anos apresentaram um risco 74% maior de demência em comparação com não usuárias.
Entretanto, regimes contendo apenas progestina ou estrogênio vaginal não foram associados a esse aumento de risco.
Como Interpretar os Dados?
Os dados apresentados por estudos observacionais devem ser interpretados com cautela, pois não permitem estabelecer causalidade. Além disso, outros fatores, como sintomas vasomotores severos, podem estar associados a maior formação de amiloide cerebral, um marcador de risco para demência.
Por outro lado, estudos recentes com biomarcadores de imagem cerebral mostraram que mulheres que iniciaram precocemente a TH apresentaram:
- Melhores pontuações de memória.
- Maior volume do hipocampo e córtex entorrinal.
Esses benefícios foram observados principalmente em portadoras do gene APOE4.
Conclusões
A decisão de iniciar e manter a terapia hormonal deve ser personalizada. Não há evidências que justifiquem a limitação arbitrária da duração ou a prescrição de doses mínimas. Para muitas mulheres, doses adequadas e terapias bem ajustadas são essenciais para aliviar sintomas, prevenir perda óssea e reduzir o risco de fraturas.
O acompanhamento médico especializado é indispensável para avaliar os benefícios e riscos individualmente, garantindo que a terapia seja realizada da forma mais segura e eficaz possível.

Artigo escrito pelo Diretor Científico da SottoPelle Brasil, Dr. Francisco Tostes.
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